PUBLICAÇÕES

Institucional

A judicialização da Saúde

04 fevereiro 2016 - 16:12

Nesses mais de 35 anos de minha vida pública (30 deles na Defesa do Consumidor) participei de debates acerca dos mais variados temas. Ao longo da caminhada, a vida nos ensina que o caminho da humildade é o mais curto para se chegar aos objetivos pretendidos. Já fui estilingue e hoje não deixo de ser vidraça. Do lado de cá do balcão reflito muito acerca das ações judiciais que visam o atendimento por parte da Administração Pública de medicamentos e procedimentos médicos não liberados pelo Sistema Único de Saúde – SUS. E na sua maioria com custos altíssimos.

Não foram poucas as vezes que eu, como advogado, pedi a prisão de secretários de saúde por não atenderem a tempo as ordens judiciais. E o tempo passou e continuam milhares de ações por todo o país buscando esses mesmos objetivos. Prefeitos, principalmente, não sabem mais o que fazer. Outro dia escutei de um prefeito de um pequeno município da RMBH que teve de cumprir uma ordem que custou R$ 400 mil e o paciente sequer morava na cidade.

Têm que cumprir ordens judiciais às pressas e retirar vultosos recursos dos municípios para atender tais demandas. E quantas não são as ordens judiciais que determinam transferência do paciente para hospitais caríssimos de São Paulo e até do exterior. Hoje, contudo, vejo que é preciso repensar esta situação. Não só pelo desequilíbrio entre os cidadãos que têm acesso a advogado para conseguir tais ordens em comparação àqueles que estão na fila do SUS, mas também pela comprovação de que há muita lama por trás dessa situação.

Investigações já mostraram que há sim crimes sendo cometidos nesses casos, envolvendo médicos, laboratórios, advogados e até pessoas do Judiciário. Outro dia, por exemplo, vi um relatório de um médico de uma instituição pública conveniada ao SUS receitando um medicamento importado cuja eficiência no combate ao câncer era absolutamente duvidosa. Ora, como suspeitar de um relatório desses? Imagine-se se uma prefeitura de médio ou pequeno porte têm condições de analisar se por trás daquele relatório médico não opera uma estrutura criminosa envolvendo o próprio profissional, o laboratório, o advogado e até mesmo o paciente?

Hoje posso dizer com certeza que provavelmente por minha vocação de defender os menos favorecidos, como advogado, eu não fui usado nesse esquema criminoso. E como eu, leigo na medicina, iria saber se aquele medicamento serviria ou não a suas finalidades? Sempre me baseei no relatório médico que o indicava. O mesmo pode ter acontecido com o juiz que deferiu a liminar determinando à Prefeitura ou ao Estado o cumprimento da ordem.

Vejo, então, uma única alternativa para solucionar essa questão tão tormentosa para o Judiciário e para o Poder Público: a federalização da demanda. Só mesmo uma Proposta de Emenda Constitucional estabelecendo competência exclusiva da Justiça Federal para analisar esses casos. Como consequência, será a União a parte que irá responder o processo. E toda decisão judicial deverá ser comunicada à Polícia Federal que, por sua vez, irá criar um cadastro para investigar se não há elementos criminosos envolvidos no processo.

Evidente que desconfiará se um mesmo médico está receitando o mesmo medicamento de um mesmo laboratório. E, se ficar constatado que aquele medicamento é de fato importante no tratamento das doenças, que o governo cuide de produzi-lo ou inclui-lo na lista de referência. Ou mesmo comprá-lo no atacado. Assim a questão estará resolvida em definitivo. Será o fim da sangria dos recursos públicos e a certeza da sociedade de que por trás de milhares de demandas não opera no país as máfias de sangue-sugas.

Por Délio Malheiros – direitohoje@hojeemdia.com.br

*Especialista em Direto do Consumidor

< VOLTAR