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Operadoras de saúde apostam no celular para reduzir fraudes e aumentar serviços

11 setembro 2017 - 19:08

Fonte: Arena do Pavini – 01/09/2017

 

Por Fernanda Bittencourt

 

As operadoras de planos de saúde no Brasil apostam na informatização e em aplicativos móveis para reduzir os desperdícios e fraudes no setor, que chegaram a R$ 3 bilhões no ano passado, segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). A queda das receitas com o menor número de clientes por conta da crise econômica também pressiona as empresas a controlar melhor os custos e aumentar a eficiência no atendimento.

 

No Brasil, um estudo do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) mostra que, em 2015, as operadoras desembolsaram R$ 22,5 bilhões com contas hospitalares e exames desnecessários, o equivalente a 19% dos R$ 117,24 bilhões gastos em despesas assistenciais.

 

O documento vincula os desperdícios no setor a fatores como baixa qualidade do atendimento, que aumenta o tempo e os custos do tratamento, falta de transparência na definição dos preços de insumos e serviços, e também ao modelo adotado para pagamento dos serviços prestados.

 

Ressonância virou rotina

 

São recursos que poderiam ser investidos na expansão assistencial de qualidade a milhões de brasileiros e também na melhoria dos planos disponíveis no mercado, que seriam oferecidos a preços mais suaves ao bolso do usuário, diz Reinaldo Scheibe, presidente da Associação Brasileira dos Planos de Saúde (Abramge). Um exemplo claro de desperdício é que o Brasil é o campeão mundial na realização de ressonâncias magnéticas, diz Scheibe. “Virou um exame de rotina, mesmo sem necessidade.”

 

Menos 1,3 milhão de clientes

 

Para o presidente da Abramge, a atual crise econômica é o principal motivo da evasão de clientes que o setor vem registrando há dois anos, sob o impacto direto da queda no número de empregos formais e da renda da população. A estimativa é que o segmento tenha perdido 1,3 milhão de clientes. “É uma crise sem precedentes”, afirma.

 

Scheibe ressalta que, apesar da perspectiva de um cenário mais estável para este ano, com um ligeiro aumento de 50 mil beneficiários, as operadoras de saúde precisam buscar incessantemente o aperfeiçoamento da gestão e, principalmente, do atendimento prestado aos beneficiários.

 

Maior acesso e controle dos usuários

 

Neste contexto, a informatização dos serviços oferecidas aos usuários e mudanças nas formas de gestão promovidas por empresas como Amil e SulAmérica ganham importância. Ao facilitar o acesso aos serviços e criar canais de comunicação com clientes, incluindo aplicativos de celular, as empresas aprimoram seus sistemas de controle de custos, o que contribui para a estabilidade do mercado privado da saúde.

 

Amil: investimentos de R$ 5,5 milhões no Projeto Token

 

A Amil, um dos maiores conglomerados de saúde no Brasil, com uma carteira de 3,6 milhões de clientes, começou a implantar em agosto um sistema de segurança similar ao adotado pelos bancos, com emissão de senhas em tempo real para viabilizar operações financeiras em plataformas digitais.

 

O projeto Token, nome dado pela operadora ao seu novo sistema, receberá R$ 5,5 milhões até dezembro, valor que inclui os investimentos no mecanismo de validação e no novo portal do credenciado, segundo Sérgio Ricardo Santos, presidente da Amil.

 

Fraudes de 8% a 10% podem diminuir

 

A expectativa é que a ferramenta contribua tanto para acabar, até 2018, com glosas (quando o plano não aceita pagar determinado exame ou serviço já prestado) administrativas provocadas, por exemplo, por erros no preenchimento das guias e que retardam o pagamento aos credenciados, como para reduzir o índice de fraudes, que varia de 8% a 10%.

 

Sem assinatura antecipada

 

O código fornecido pela operadora tem prazo de validade e acaba com a possibilidade de o usuário assinar antecipadamente uma guia, registrando um atendimento que pode não se concretizar. “A nova tecnologia proporciona mais segurança para todos os nossos credenciados e beneficiários, o que resultará em custos menores para os nossos clientes e para todo o sistema de saúde brasileiro”, afirma Santos.

 

Consulta ou exame, só com Token

 

O uso do Token é facultativo até o dia 1º de dezembro, tornando-se então obrigatório. Ao chegar para a consulta ou exame, o prestador de serviço confirma a presença do cliente que recebe, por SMS ou e-mail, o código que deve ser repassado ao atendente para liberação do atendimento. Sem esse código, o prestador não recebe pelo atendimento eletivo. Caso o cliente esteja impossibilitado de receber a notificação pelo meio eletrônico próprio, o prestador é que tem de acionar a operadora para aprovar o atendimento.

 

Segundo o CEO da Amil, a empresa está usando diversos canais de comunicação para levar a novidade até os clientes e usuários como posts no Facebook, vídeos no YouTube, além do envio de e-mail e da inclusão de informações nos boletos e na área do site acessada pelos credenciados. “Também foram realizadas reuniões presenciais com integrantes da rede credenciada e nas empresas que são nossas clientes”, afirma.

 

Preocupação com idosos e os sem-celular

 

Uma equipe de 70 pessoas foi montada com o objetivo de explicar as mudanças aos usuários, incluindo os que não têm celulares ou enfrentam dificuldades em usar dispositivos móveis, grupo no qual estão inseridos os idosos. Consultado, o Serviço de Atendimento ao Consumidor da Amil disse que caso um idoso não tenha celular ou não consiga usar os recursos do aparelho, é preciso solicitar a clinica ou consultório que faça, por telefone, a ponte entre o usuário e a Amil. indício de que a estrutura tradicional de atendimento não desaparecerá imediatamente apesar do investimento alto.

 

Apesar das dificuldades iniciais, a iniciativa deve melhorar o faturamento e mudar a forma de atendimento adotada hoje por muitos credenciados da Amil. Clínicas que hoje prestam serviços na área de fisioterapia – e pediram para não ser identificadas – já manifestaram disposição de bloquear o usuário que faz tratamento contínuo e costuma faltar sem avisar antecipadamente.

 

A atitude, que até pode ser mal recebida pelos usuários em um primeiro momento, implicará em mudanças no comportamento do cliente e beneficiará o prestador, que não recebe em caso de falta do paciente. As operadoras também ganham, reduzindo as possibilidades de fraudes.

 

SulAmérica: foto do recibo pelo celular para reembolso

 

A SulAmérica Saúde, cuja carteira no segmento de planos de saúde soma mais de 2 milhões de clientes, vem investindo fortemente na valorização dos aplicativos móveis desde 2012. Neste ano, lançou um serviço de reembolso digital via aplicativo que permite ao segurado solicitar o reembolso de consultas de até R$ 1 mil por meio de uma foto do recibo médico feita com a câmera do smartphone do segurado.

 

Segundo a diretora de Sinistros Saúde da SulAmérica, Erika Fuga, só no ano passado, os aplicativos da SulAmérica totalizaram mais de 400 mil novos downloads e 16 milhões de transações realizadas pelos usuários da empresa dentro dos apps, além de 1,5 milhão de interações via chat e 2,4 milhões de SMS enviados. Ao mesmo tempo, o número de ligações telefônicas para o Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) caiu em2 milhões de ligações telefônicas em relação a 2015.

 

Carteirinha virtual

 

Os apps da SulAmérica Saúde permitem, por exemplo, que o beneficiário acesse a carteirinha virtual do titular e dos dependentes, encontre hospitais, clínicas e médicos especialistas por meio de geolocalização ou mesmo acompanhe a aprovação de procedimentos médicos.

 

O beneficiário também ajuda

 

Para a diretora de Sinistros Saúde da SulAmérica, para uma empresa que adota iniciativas como a compra direta de materiais médico-hospitalares, negociação de pacotes de remuneração junto à rede referenciada e uso de uma junta médica para casos complexos para reduzir os desperdícios, o uso consciente dos serviços pelos próprios beneficiários é essencial.

 

A empresa desenvolveu o portal “Guia do Uso Consciente”, cujo objetivo é explicar o papel de cada indivíduo na manutenção do sistema de saúde privado. ‘Entendemos que o uso consciente é aquele em que o beneficiário utiliza o plano para cuidar de sua saúde de maneira coerente e disciplinada, com foco na construção de hábitos saudáveis e na prevenção de doenças’, afirma a executiva da SulAmérica.

 

Os investimentos em informatização contribuem, mas não bastam para reduzir os desperdícios. O cliente também tem de ter consciência de seu papel como financiador do sistema, e deixar de escolher seu plano de saúde pela quantidade de prestadores e pelos hospitais considerados de referência.

 

Especialista defende novo modelo de pagamento

 

Segundo o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, o atual modelo de pagamento dos serviços adotado pelas operadoras é ineficiente por impedir, por exemplo, comparações e inviabilizar o controle de custos em cada uma das etapas do processo.

 

Chamado de ‘fee-for-service’ (pagamento por serviço), o paciente fica mais sujeito a tratamentos e exames sem necessidade comprovada. O fato de os prestadores serem remunerados por procedimentos realizados também incentiva a oferta de mais serviços, nem sempre necessários.

 

Uniformização reduz custos

 

A saída para reduzir desperdícios na área da saúde passa por soluções que priorizam a segurança do paciente, avalia a especialista em Saúde Irene MinikovskHahn, da Qualirede, empresa que há sete anos oferece soluções integradas e gestão para planos de saúde no Brasil por meio de ThirdPartAdministration (TPA) ) e Business Process Outsourcing (BPO).

 

Segundo ela, o cenário ideal para conter gastos inúteis seria mudar completamente o modelo de atuação das empresas, promovendo, entre outras coisas, a unificação e padronização de todos os sistemas de gestão de saúde das operadoras. Essa iniciativa beneficiaria diretamente os prestadores que hoje se desdobram para atender as individualidades de cada empresa de medicina de grupo.

 

Ficha única do paciente ajudaria a diminuir exames

 

Tornar possível o compartilhamento do prontuário do paciente entre os profissionais da saúde que o atendem também significaria menos desperdício – menos pedidos de exames repetidos e redução de equívocos na prescrição de medicamentos e tempo de tratamento – mas principalmente representaria um salto de qualidade no atendimento oferecido ao paciente, uma preocupação que nem sempre disputa a atenção que merece das operadoras.

 

A especialista da Qualirede acredita ainda que, embora inviável no cenário atual, uma readequação do modelo atual deveria incluir a oferta de subsídios para melhoria da rede credenciada e modelos de contratos em que o prestador tenha direito a um rendimento fixo que não o obrigue a multiplicar a quantidade de atendimentos para fechar seu orçamento mensal.

 

“Um bom atendimento em fisioterapia pode evitar cirurgias de coluna, menos gastos com medicamentos, melhor aproveitamento da rede, além de evitar possíveis derivações do procedimento cirúrgico”, exemplifica.

 

Para Irene, a impossibilidade de reconstruir todo modelo a partir de agora não impede a redução dos desperdícios a partir de pequenas iniciativas como contribuir para que os prestadores melhorem a capacidade do serviço oferecido e até obtenham a chamada acreditação, espécie de selo que atesta a qualidade do serviço e funciona como garantia para o paciente. “Não se trata de investir dinheiro, mas orientação para que o serviço preencha as normas que o tornam seguro para o paciente”.

 

Só 113 mamógrafos com selo de qualidade

 

Dados da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica mostram que, dos 16.657 laboratórios clínicos no Brasil, apenas 148 possuem o Palc, o selo de acreditação desenvolvido pela Sociedade. Um índice que surpreende por nem chegar a 1% do total.

 

No caso de mamógrafos, somente 2,2% ou 113 dos aproximadamente 5 mil aparelhos distribuídos pelo Brasil possuem o selo de qualidade oferecido pelo Conselho Brasileiro de Radiologia. O baixo percentual cresce de importância diante da informação da Agência Nacional de Saúde (ANS) de que, em 2016, foram realizados mais de 2,5 milhões de mamografias no País.

 

Os baixos percentuais não podem ser considerados sinônimos de atendimento de má qualidade, entretanto, contribuir para ajudar um prestador a buscar a acreditação certamente contribuiria para mudar o cenário de desperdícios do mercado de medicina suplementar e principalmente mereceria os aplausos e – o mais importante – a preferência dos usuários.

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